Nostalgia, remake e crise
- Eduardo de Assis

- 19 de set.
- 4 min de leitura
É justa a exploração das nossas memórias e sentimentos do passado nos videogames?

A maior indústria (no pior sentido da palavra) cultural do mundo está em crise. Acabou a criatividade de Hollywood: agora só existem filmes que são continuações, baseados em quadrinhos, jogos, animes, novas versões de clássicos, reboots de franquias e o que mais a sala de cinema próxima de você tiver a oferecer.
Na verdade, não existe crise nenhuma de criatividade, mas sim no modelo de negócio, já que o objetivo é sempre aumentar o lucro. “Filmes originais” ainda existem e são lançados semanalmente, mas infelizmente seu alcance é infinitamente menor. Nos raros casos em que conseguem espaço nos cinemas comerciais, possuem poucas sessões e ficam curtos períodos em cartaz. Afinal, é muito mais difícil (e custoso) vender uma ideia nova do que retrabalhar uma já existente na cabeça das pessoas.
Se olharmos para a indústria dos videogames, vemos que a lógica não é muito diferente. Qualquer evento de jogos hoje em dia traz anúncios de novos remakes, remasters ou “atualizações” para as plataformas mais recentes.
Não vou entrar aqui nos pormenores das diferenças entre remaster e remake. Existe uma discussão interessante sobre essas terminologias, já que cada empresa usa como bem entende, sem consenso algum. Mas não é o objetivo deste texto.
O remake na moda

O remake de jogos não é uma novidade, essa prática sempre existiu. Um exemplo é a coletânea Super Mario Bros. All-Stars para o Super Nintendo, lançada em 1993. Nela, encontramos todos os jogos do Mario lançados para o Nintendinho, só que dessa vez com os gráficos do Super Mario World.

Outro exemplo é Resident Evil, uma franquia marcada por vários remakes recentes, mas cujo primeiro remake aconteceu lá no início dos anos 2000. O primeiro jogo da série, lançado em 1996 para o PlayStation 1, ganhou um remake seis anos mais tarde, em 2002, exclusivo para GameCube.

Falando em clássicos do PlayStation 1, Metal Gear Solid de 1998 também teve seu remake no GameCube, com a versão Twin Snakes de 2004. Uma nova versão do jogo, agora com os gráficos e mecânicas de seu sucessor, Metal Gear Solid 2: Sons of Liberty.
Mas é claro que, hoje em dia, os remakes ganharam um peso maior, tanto no investimento quanto no destaque dado pelas empresas. Um exemplo recente é que o jogo exclusivo de lançamento do PlayStation 5 foi o remake de Demon’s Souls. Não um título novo, mas uma nova versão do clássico da FromSoftware, dessa vez feito pela Bluepoint.
As empresas triplo A buscam explorar cada vez mais uma mina de ouro chamada nostalgia. A exploração é tanta que acabou criando nos jogadores o desejo por mais remakes dos mais variados títulos e franquias. Basta acompanhar o chat de alguma transmissão de anúncios: você encontra pedidos e mais pedidos de remake de diversos jogos, sobretudo Dino Crisis.
O fator videogame

A mídia videogame é a união de várias artes como escrita, música, cinematografia e fotografia. Mas seu grande diferencial é a interação existente entre ela e o espectador — no caso, o jogador. Esse fator contribui para uma imersão ainda maior e abre um leque de possibilidades entre jogador e jogo.
Essa interação cria uma experiência única e marcante quando jogador e jogo se entendem, e muitas vezes fica gravada na memória e na história de cada um. Todos temos um jogo que gostaríamos de jogar pela primeira vez novamente. Reviver cada momento daquela história e descobrir os segredos e mecânicas que ele oferece. É nesse ponto que enxergo o valor dos remakes.
Um exemplo recente é Silent Hill 2 Remake, lançado em 2024 e desenvolvido pela Bloober Team. O título original de 2001 é um dos meus jogos favoritos da vida, e já estava em um ponto em que eu sabia tudo o que acontecia: teorias, segredos e detalhes. De certa forma eu criei até um tipo de memória muscular com o jogo.
Com o remake da Bloober Team, tive a oportunidade de experienciar aquela história, personagens, momentos e segredos já conhecidos, mas também novidades e surpresas adicionadas à nova versão. Esse sentimento é curioso: mexe com a sua nostalgia através de algo novo feito em cima de algo que você já tinha carinho e paixão. O famoso "igual mas diferente".
A evolução do gameplay ao longo dos anos e os novos estilos de jogabilidade permitem imaginar inúmeras versões de um mesmo jogo. Usando o próprio Silent Hill 2 como exemplo: no original temos câmera isométrica e controles de tanque, enquanto no remake o jogo é em terceira pessoa com controles mais modernos. Nada impede versões futuras em primeira pessoa ou até mesmo com combate por turnos (o que não significa que seriam boas ideias).
O problema real

Mas é óbvio que nem tudo são flores. Assim como já foi dito, o problema não são os remakes, e sim a indústria.
Olhar a arte sob a ótica de produto transforma o trabalho dos desenvolvedores em mera ferramenta de busca por lucro. A cada ano, o desenvolvimento de jogos se torna mais complexo e custoso, tanto financeiro quanto humano.
A indústria triplo A, com o objetivo de sempre aumentar o lucro, busca diminuir o investimento sem mudar o escopo dos projetos. Refazer jogos antigos “acelera” a produção, já que os conceitos iniciais já estão prontos e podem ser reaproveitados. Gastando menos e lucrando mais, os remakes acabam ganhando cada vez mais espaço, explorando o sentimento de nostalgia dos jogadores.
Vivemos, assim, uma realidade em que quase nada novo se cria e tudo é reaproveitado. Novas franquias raramente aparecem nos grandes estúdios, e a inovação fica cada vez mais restrita a jogos menores ou independentes.
O sentimento de esgotamento e de falta de criatividade na grande indústria é válido. Porém, muitos remakes são de qualidade e são bem recebidos pelo público e pela crítica. O verdadeiro problema está na ausência de espaço para a inovação, tanto em escopo quanto em fórmula. Infelizmente, parece que, para um existir, o outro precisa desaparecer.
Como sempre, a culpa é do capitalismo!






Comentários