Um olhar anti-nostálgico sobre o PS2
- Rafael Esposito

- 6 de ago.
- 5 min de leitura
O que resta quando viver de passado não basta?

A gente aprende, por amor ou por terror, que o avanço tecnológico deve ser um ciclo de obsolescência constante. O que vem serve para substituir o que já estava aqui, e o que já estava aqui não serve mais.
Você já sabe a limitação dessa lógica: na época dos seus avós, as coisas eram feitas pra durar. A vida brilha diferente com o clique de uma cybershot, e o seu álbum favorito é ainda mais pessoalmente seu quando resguardado por uma caixinha de CD. Troque um fetichismo por outro, mas repare que o que é velho ainda tem vivacidade.
Os outros colaboradores desse site gostam de brincar que eu dificilmente jogo qualquer coisa lançada depois de 2001. Isso me bagunça um pouco, por dois motivos: primeiro, porque é um pouco (só um pouco) verdade. Segundo, porque eu estranho bastante a típica cultura retrogamer.
Quando mergulho em jogos antigos, é porque me interesso pela história desse hobby que eu claramente gosto muito. Quero descobrir coisas que não poderiam ser feitas hoje em dia e criar uma relação com essa mídia que seja ditada menos por marketing e mais por curadoria e curiosidade. Se você me dar uma pá, eu quero cavar. Mas muita gente prefere fazer castelos de areia; de preferência, na mesma praia em que passavam as férias na infância.

Por isso, quando eu resgatei meu Playstation 2 do seu limbo cruel e empoeirado na casa dos meus pais, meu objetivo não era bem reviver tempos que não voltam mais. Um pedaço de software enclausurado na lâmina fina de um DVD não tem capacidade ou autoridade pra me fazer ter 10 anos de idade de novo, e qualquer esforço nesse sentido só me traria o ressentimento típico dos velhos em espírito.
Fica o questionamento, então. O que esse monolito Y2K-noir que é o PS2 me oferece, na ausência da nostalgia? O que fica, quando idealizações e resgates da infância são rejeitados, é o maquinário em si.
O PS2 é um dos resquícios finais de uma época em que o hardware de consoles de videogame era feito com arquitetura proprietária e personalizada. Para dar um exemplo: o Super Nintendo era fundamentalmente diferente, nas suas entranhas, de um Mega Drive -- e para olhos treinados, essas diferenças técnicas e filosóficas estavam visíveis nos próprios jogos. A separação entre plataformas era ditada por tecnologia, e não puramente por acordos de exclusividade.

Isso é especialmente nítido no caso da Sony, que era notória nos anos 2000 por desenvolver consoles desnecessariamente complexos. Um resultado disso é que muitos jogos de PS2 ficaram para trás, jamais portados para plataformas modernas; uma verdadeira mina de ouro digital para quem sabe garimpar.
Inclusive, esqueci que esse era o ponto central do texto: listar recomendações de exclusivos de PS2 para outros adultos bem ajustados e excepcionalmente interessantes como eu, que querem e tem tempo para explorar o catálogo do console em tempos modernos para além dos hits da juventude.
ENTÃO BORA
APE ESCAPE 3
O único da trilogia de jogos caça-macaco do Japan Studios que ainda está indisponível na PS Store. Um sonho febril num universo frutiger aero com gadgets e transformações muito divertidas. O design dos macacos é perfeição purinha.

GODHAND
Pérola low budget do Shinji Mikami. Ação cinética imediatamente divertida, com um esquema de controle que eu nunca tinha experienciado. É o jogo que fãs de Final Fight sonhavam jogar nos anos 90.

VIRTUA FIGHTER 4 EVOLUTION
VF5 é meu jogo de luta favorito, mas a 4ª edição da série é a que tem o melhor modo single-player do gênero. O Quest Mode coloca você contra CPUs moldadas pelo comportamento de jogadores reais, se aproximando muito da experiência de fliperama.

RIDGE RACER 5
Acho que não tem uma ação em videogames que eu goste mais do que fazer drift em Ridge Racer, e a interface dos menus são, como de costume, uma masterclass de bom gosto artístico. Prefiro o Type 4 de PS1, mas o RR 5 tem a vantagem de rodar a 60fps.

BREATH OF FIRE: DRAGON QUARTER
Só joguei por umas 2 horas, mas é o bastante pra ver o quanto esse jogo é ousado. Muito criticado por adotar uma estrutura tangencial ao roguelike que a gente vê tanto hoje em dia. É o exemplo perfeito de um jogo à frente de seu tempo.

NEO CONTRA
Outro jogo injustamente criticado por não se adequar a expectativas nebulosas. Um jogo de tiro isométrico que mantém o estilo desafiador e explosivo da série. Ninguém faz a estética "base militar hi-tech” como a Konami dessa era.

SUPER DRAGON BALL Z
Um jogo de Dragon Ball para fãs de jogos de luta hardcore, dirigido pelo co-criador de Street Fighter 2 e Final Fight. Super Dragon Ball Z prioriza execução, movimento e expressividade nos combos.

GHOST IN THE SHELL: STAND ALONE COMPLEX

A Cavia é a From Software que nunca achou seu Demons’ Souls: um estúdio com uma longa história de jogos estranhos, atmosféricos e com problemas de performance charmosíssimos. Se você quer algumas horas trocando tiros e fazendo parkour cyberpunk, com muita verticalidade e uma trilha sonora maneira, esse é pra você. É PS2 até o osso.
LISTA BÔNUS: EXCLUSIVOS QUE AINDA NÃO JOGUEI, MAS PARECEM BONS:
Shin Megami Tensei: Digital Devil Saga
Boku no Natsuyasumi 2
Steambot Chronicles
Raw Danger
Rogue Galaxy
Suikoden 3
Chulip
Castlevania: Lament of Innocence
Shinobi
Nightshade
Ibara
Para terminar: um ode ao Bomba Patch
Bizarríssimo que damos a corporações a autoridade para decidir quando um produto que compramos (e logo, deveriam ser nossa propriedade pessoal) não é mais relevante. Engolimos narrativas sobre gerações de consoles sem questionar muito sua validade real; afinal, a qual geração o Switch ou o Dreamcast pertencem de fato? E o PS1, que continuou recebendo suporte por um bom tempo após o lançamento do PS2, agora como uma alternativa de baixo custo?
E olha que esses são os exemplos mais óbvios: quando damos um zoom-out pra além dos limites da indústria, vemos cenas efervescentes de novos jogos para o NES, Mega Drive e afins. Paprium, Xenocrisis e GG Aleste 3 são exemplos de lançamentos recentes para plataformas antigas, agora inteiramente decifradas por programadores modernos. O Fightcade e as comunidades de RPG Maker também são bons exemplos, mas fogem do escopo do texto.
Não tô dizendo que a Nintendo deveria voltar a lançar jogos para o SNES; só acho que esse movimento de dar sobrevida para apetrechos antigos (como a própria moda da cybershot ou das câmeras analógicas) representam um reposicionamento saudável da nossa posição enquanto jogadores. Isso é especialmente relevante aqui no Sul Global, onde o acesso aos consoles de “última geração” é limitado pela nossa realidade financeira.

Por isso o Bomba Patch é tão potente -- é a cultura DIY manifestada nos jogos. Pros pouquíssimos desavisados, o Bomba Patch é um projeto que atualiza anualmente os jogos de futebol do PS2 com elencos, camisas e conteúdos novos, feito sob medida pros gostos do público brasileiro (inclusive, dando uma boa valorizada no futebol nacional em comparação aos lançamentos oficiais). É a comunidade preenchendo as lacunas que a indústria deixa, e eu acho isso muito empoderador.
Enfim. Tanto o hype por novos lançamentos quanto a nostalgia por um cânone muito limitado de experiências compartilhadas são, na minha opinião, uma fábrica de mágoas e ressentimentos. Tomar as rédeas e deixar sua curiosidade guiar o caminho não é o refugo dos hipsters, é o mantra de quem nunca vai deixar de ter uma experiência interessante pela frente. Joguem Ape Escape 3.






Comentários